Mc 14, 1-15,47: "Onde queres que
preparemos a refeição da Páscoa?”
O relato da paixão de Jesus, que a liturgia nos
propõe neste domingo ao lado do da entrada festiva de Jesus em Jerusalém (Mc
11,1-10), ocupa um quinto de todo o Evangelho segundo Marcos. É o relato mais
antigo contido nos Evangelhos, uma longa narração em que encontramos o eco das
testemunhas, acima de tudo de Pedro, cujo nome retorna frequentemente, e depois
dos outros discípulos. Todos, porém, no momento da prisão, fogem...
O relato é composto por duas partes: a primeira,
que narra os eventos vividos por Jesus junto com sua comunidade até a captura
(cf. Mc 14,1-42), e a segunda que apresenta o processo nas suas fases, a
execução da condenação em cruz e o sepultamento do corpo de Jesus em um túmulo
(cf. Mc 14,43-15,47).
Dada a amplitude desse trecho, não podemos fazer um
comentário pontual; portanto, nos limitaremos a um olhar de conjunto que
evidencia a boa notícia, o Evangelho contido no relato da paixão.
Essa narrativa põe à prova o nosso olhar de fé
sobre Jesus: somos quase forçados a sofrer o escândalo e a loucura da cruz (cf.
1Co 1,23), somos colocados diante do resultado falimentar da vida de Jesus.
Aquele que passou no meio do seu povo fazendo o bem (cf. At 10,38), cuidando
dos doentes e às vezes curando-os, e forçando o diabo a obedecê-lo (cf. Mc 1,27)
e a recuar; aquele que, como profeta poderoso em obras e palavras, “todos
procuravam” (cf. Mc 1,37); aquele que atraiu a si as multidões, que o aclamaram
como bem-aventurado e como aquele que vem no nome do Senhor (cf. Mc 11,9);
aquele que conseguiu reunir ao seu redor uma comunidade itinerante de homens e
mulheres que o reconhecia como Profeta e Messias; esse homem, Jesus de Nazaré,
conhece um fim impensável e chega a uma morte falimentar.
Cada leitor atento do Evangelho, cada discípulo que
seguiu Jesus desde seu batismo até o fim, não pode deixar de ficar
profundamente abalado, perturbado com tal resultado...
Onde foi parar – alguém pode se perguntar – a força
de Jesus, o poder com que ele libertava da doença e da morte aqueles que por
elas estavam marcados? “A outros salvou, a si mesmo não pode salvar” (Mc 15,31)
– seus adversários zombam dele...
Onde foi parar aquele carisma profético com o qual
ele anunciava como já muito próximo ou, melhor, presente o Reino de Deus (cf.
Mc 1,15)? Por que, na paixão, Jesus está reduzido ao silêncio e se deixa
humilhar sem abrir a boca (cf. Is 53,7)?
Onde está aquela autoridade que lhe foi reconhecida
tantas vezes por aqueles que o chamavam de mestre, o aclamavam como profeta, o
invocavam como Messias e Salvador?
Todos aqueles que pareciam ser seus seguidores e
simpatizantes desapareceram, e Jesus está sozinho, abandonado por todos, inerme
e sem qualquer defesa.
Mas o enigma é ainda mais radical: onde está Deus
durante a paixão de Jesus? Aquele Deus que parecia ser tão próximo dele e que
ele chamava confidencialmente de “Abba”, isto é, “Papai querido”; aquele Deus
que o havia declarado “Filho amado” no batismo (cf. Mc 1,11) e na
transfiguração (cf. Mc 9,7); aquele Deus por quem Jesus havia colocado em jogo
e consumido toda sua vida, onde está agora?
Não nos esqueçamos: a morte de cruz – como o
apóstolo Paulo compreendeu - é a morte do amaldiçoado por Deus (cf. Dt 21,23;
Gl 3,13), julgado como tal pela legítima autoridade religiosa de Israel, e ao
mesmo tempo, é o suplício extremo infligido a quem é considerado como nocivo à
sociedade humana. Jesus verdadeiramente morreu como um impostor, na ignomínia,
pendurado entre céu e terra, por ter sido rejeitado por Deus e pelos homens...
Fonte: http://www.eadseculo21.net.br/moodle/mod/page/view.php?id=20741.