ARAUTOS DA SALVAÇÃO - Ai de mim se não evangelizar

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Lectio Divina - Aula 01

O assunto que vamos abordar é inesgotável, pois “Lectio Divina”, significa “leitura de Deus”, e a Deus nunca vamos acabar de ler. Arte de estudar o coração de Deus, segundo a harmoniosa definição de São Gregório Magno, a leitura participa de certo modo, da intimidade de seu objetivo próprio. Por isso, quanto mais se estuda, mais qualidades se descobrem nela, mais ricos se revelam os múltiplos aspectos que apresenta. Ao dar por concluídos nossos colóquios, teremos a impressão de que apenas havíamos abordado o assunto.

“Adão, onde estás?” A voz do Todo-Poderoso ressoa no Paraíso. Deus buscava o homem que havia plasmado à sua imagem e semelhança. Queria falar com ele, como todos os dias, quando passava pelo jardim, à hora da brisa da tarde. Adão, o homem, havia desobedecido ao seu Criador e se havia escondido. O pecado do homem destruiu brutalmente a familiaridade com Deus. Isto é o que quis dizer o Gênesis em suas primeiras páginas.

O homem perdeu a doce e terna liberdade de expressão que lhe permitia falar a Deus como um filho fala a seu pai, como um amigo fala a seu amigo. O homem perdeu a Deus, seu criador e pai, e Deus perdeu o homem, sua imagem e semelhança, seu filho interlocutor. E, desde essa época, Deus busca o homem, e ele tem de buscar a Deus.

“Buscar a Deus” é uma ocupação absorvente. Abarca toda a vida e toda a pessoa. É como o amor de Deus: “Escuta, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás o Senhor teu Deus com todo o coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito e de todas as tuas forças” (Mc 12,29-30).

A busca e o encontro pessoal com Deus se verificam no diálogo. O verdadeiro Deus, o Deus vivo, que fala e com quem se pode falar, o Deus que quer comunicar a plenitude da existência e se abaixa para elevar-nos a seu mesmo nível.

O verdadeiro homem, imagem de Deus, que quer encontrar o Criador, que dele se havia afastado, assim converge a sede de Deus em encarnar-se em homem e a sede do infinito que atormenta o coração humano. O Deus que nos persegue porque nos deseja, e o homem que busca ansiosamente a Deus de que necessita.

Para a tradição cristã primitiva, o diálogo com Deus tem dois tempos: a leitura e a oração. São Cipriano de Cartago aconselha Donato: “Sê assíduo tanto à oração como à leitura. Ora falas tu com Deus, ora Deus contigo” (Ad Donatum, 15). São Jerônimo diz ao anacoreta Bonosco: “Ora ouves a Deus quando recorres à leitura dos livros sagrados, ora falas com Deus quando fazes oração ao Senhor” (Ep. 3,4). Santo Ambrósio de Milão escreve: “A Deus falamos quando oramos, a Deus ouvimos quando lemos suas palavras” (De officiis Ministorum 1,20,88). Santo Agostinho, comentando o salmo 85, diz: “Tua oração é um colóquio com Deus. Quando lês, te fala Deus; quando oras, tu falas a Deus” (Enarr. In os 85,7).

Os mesmos conceitos se têm repetido inúmeras vezes nos autores antigos e medievais. Assim, por exemplo, em uma carta sobre a vocação monástica: “Fala a Deus orando; escuta, lendo a Deus que te fala”. E Bernardo Aygler, abade de Montecasino: “Assim como falamos com Deus quando orando, assim Deus fala conosco quando lemos a Sagrada Escritura”. Por isso São Bento não só nos exorta a nos entregarmos à oração, mas quer que nos ocupemos assiduamente da leitura. Nos nossos dias, o Concílio do Vaticano II citou o texto de Santo Ambrósio: “Lembrem-se, porém, que a leitura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada pela oração, a fim de que se estabeleça um colóquio entre Deus e o homem. Pois “com ele falamos quando rezamos, e ele ouvimos quando lemos os divinos oráculos” (Dei Verbum, 25).

“Lectio Divina”, que quer dizer, também, leitura orante, indica a prática de leitura que os cristãos fazem da Bíblia para alimentar sua fé, sua esperança, seu amor e compromisso.