Partido de Cristo ou Igreja de Jesus Cristo?

Homilia pronunciada no Seminário maior de Filadélfia, Estados Unidos, em 21 de janeiro de 1990 (3° domingo do tempo comum).

A leitura da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios que acabamos de ouvir é de uma atualidade quase dramática. É verdade que São Paulo fala à comunidade de Corinto de sua época interpelando as consciências diante do que, entre eles, está em contradição com a verdadeira existência cristã. Entretanto, logo percebemos que não se trata apenas de uma comunidade cristã que de há muito pertence ao passado, mas que aquilo que ele escreveu toca-nos a nós aqui e agora. Ao se dirigir aos coríntios, Paulo se dirige a nós e põem o dedo na ferida de nossa vida eclesial de hoje. Como os Coríntios também nós corremos o risco de desenvolver a Igreja com lutas e partidarismos, onde cada um desenvolve sua própria idéia sobre o cristianismo. Assim, a pretensão de sempre termos razão torna-se mais importante do que a exigência de Deus sobre nós, mas importante que nosso reto proceder diante Dele. Nossa idéia própria oculta-nos a Palavra de Deus e a Igreja desaparece por trás dos partidos criados segundo nossos próprios gostos. É impossível ignorar a semelhança que há entre a situação dos Coríntios e a nossa. Mas Paulo não pretende apenas descrever uma situação. Ele se dirige a nós, para sacudir a nossa consciência e nos reconduzir a verdadeira totalidade e unidade da existência cristã. Por isto devemos perguntar-lhe: Que existe verdadeiramente de errado em nosso comportamento? Que fazer para não nos tornar nos partido de Paulo ou de Apolo ou de Cefas, nem partido de Cristo, mas sua Igreja? Que diferença existe entre um partido de Cristo e sua Igreja viva? Entre um partido de Cefas e a verdadeira fidelidade à rocha sobre a qual está construída a casa de Deus?

Procuremos, portanto, antes de tudo, entender o que acontece em Corinto e que, em vista dos perigos inerentes ao próprio homem, ameaça constantemente se repetir de novo. Poderíamos resumir brevemente a diferença em questão na seguinte frase: Se eu me declaro por um partido, este se torna, por isto mesmo, o meu partido. Ora, a Igreja de Jesus não é minha, mas sempre sua Igreja. A essência da conversão consiste em que eu já não procure meu partido, com meus interesses e meus gostos, mas me entregue às mãos do Cristo e me torne membro de seu corpo, que é a Igreja. Procuremos ilustrar este ponto um pouco mais detalhadamente. Os coríntios vêem no cristianismo uma teoria religiosa interessante que corresponde a seus gostos e expectativas. Escolhem aquilo que lhes agrada e o escolhem sob uma forma que lhes é simpática. Quando, porém, a vontade própria é determinante, já se deu a cisão, porque os gostos são muitos e contraditórios entre si. Desta escolha ideológica pode surgir um clube, um circulo de amigos, ou um partido, mas não uma Igreja que supera oposições entre os homes e os une na paz de Deus. O principio do qual surge um clube é o próprio gosto, mas o principio sobre o qual se funda a Igreja é a obediência ao chamado do Senhor, como hoje lemos no Evangelho: “Chamou-os e eles, deixando imediatamente o barco e o pai, seguiram Jesus”. (Mt 4, 21s)

Tocamos aqui um ponto decisivo: a fé não é a escolha de um programa que me convém o ingresso em um clube, no qual me sinto compreendido. A fé é conversão, que muda minha pessoa e meus gostos o pelo menos torna secundários meus gostos e minha vontade. A fé atinge uma profundidade inteiramente diversa daquela da escolha que a caracteriza como um novo nascimento (cf I Pd 1, 3-23). Estamos aqui diante de uma percepção importante que devemos aprofundar um pouco mais, porque é neste ponto que se oculta o cerne dos problemas com os quais temos de lidar hoje em dia dentro da Igreja. Temos dificuldades de imagina a Igreja a não se nos moldes de uma sociedade autônoma que procura dar a si mesma uma forma, aceitável para todos, valendo-se do principio de maioria. Temos dificuldade de conceber a fé a não ser à maneira de uma opção por uma causa que nos agrada e pela qual gostaríamos de nos emprenhar. Mas em tudo isto os agentes somos apensa nós mesmos. Somos nós que construímos a Igreja, somos nós que tentamos melhorá-la e transformá-la em uma casa habitável. Nós queremos oferecer programas e idéias que sejam simpáticas ao maior número possível de pessoas. No mundo moderno simplesmente já não pressupomos que é Deus quem toma a iniciativa e age. Com isto exatamente nos igualamos cós coríntios: trocamos a Igreja por um partido e a fé por um programa partidário. Não se rompe o circulo de nossa própria vontade e de nossos próprios gostos.

Talvez agora possamos compreender um pouco melhor a mudança que a fé significa, a conversão que ela implica: reconheço que é o próprio Deus quem fala e quem age; que não existe apenas a nossa, mas a Sua causa. Mas se isto é verdade, se não somos nós apenas que optamos e agimos, mas se é Ele quem fala e opera, então tudo muda de aspecto. Então devo obedecer a Ele, devo segui-lo, mesmo quando Ele me conduz para onde não quero (Jo 21,18). Então torna-se pleno de sentido, torna-se mesmo necessário que eu abandone meus próprios gostos, renuncie a minha própria vontade e siga aquele que é o único que nos pode mostrar o caminho que conduz á vida verdadeira, porque ele mesmo é a própria vida (Jo 14,6). É este o significado da cruz que Paulo nos aponta, como a resposta aos partidos de Corinto (10, 17). Abandono meus gostos e me submeto a Ele. Mas é assim que me torno livre, porque a servidão precisamente consiste em permanecermos presos no circulo de nossos próprios desejos.

Compreenderemos tudo isto ainda melhor, se o consideramos sobre outro ponto de vista, não partindo mais de nós mesmos, mas do próprio Deus e sua iniciativa. Cristo não é fundador de um partido nem filosofo religioso, aspecto este para o qual São Paulo chama enfaticamente atenção em nossa leitura ( I Cor 10,17). Não é uma pessoa que imagina toda espécie de idéias e conquista partidários para elas. A carta aos hebreus expressa o ingresso de Cristo neste mundo com as palavras do Salmo 40: “Não quiseste sacrifício e oferendas, mas me preparaste um corpo (Sl 40,6; Hb 10,5). Cristo é a própria palavra de Deus que se encarnou por nós. Não é apenas mais uma pessoa que fala; Ele é a palavra que fala. Seu amor, no qual Deus se dá a nós, vai até o extremo, vai até a cruz (cf Jo 13,1). Se o acolhemos, não acolhemos apenas idéias; mas colocamos nossas vidas em suas mãos e nos tornamos uma “nova criatura” ( II Cor 5, 17; Gl 6,15). A Igreja, portanto, não é um clube, não é um partido, nem um estado religioso dentro do estado terrestre, mas um corpo, o corpo de Cristo. E por isto a Igreja não é feita por nós; é construída pelo próprio Cristo, ao purificarmos pela Palavra e pelo Sacramento, fazendo de nós seus membros. Naturalmente existem muitas coisas que nós próprios estabelecemos dentro da Igreja, porque ela penetra profundamente na esfera prática das coisas humanas. Não quero fazer aqui apologia de um falso supranaturalismo. Mas o que é especifico e próprio da Igreja não pode ser fruto de nossas vontades e de nossas iniciativas; não nasce “da carne nem da vontade do homem” (Jo 1,13). Deve vir de Cristo quanto mais somos nós que fazemos a Igreja, tanto mais ela se torna inabitável, porque tudo o que é humano é limitado e se contrapõem a outro humano. A Igreja será tanto mais a pátria do coração para os homens, quanto mais escutamos o Senhor e quanto mais ela viver do Senhor de sua Palavra de dos Sacramentos que Ele os legou. A obediência de todos a Ele será a garantia de nossa liberdade.

Tudo isto tem conseqüências muito importantes para o ministério sacerdotal. O sacerdote deve velar atentamente para não construir sua própria Igreja. Paulo examina cuidadosamente sua consciência. Perguntando-se como era possível que pessoas transformassem a Igreja de Cristo em um partido religioso de Paulo. Com isto quer garantir a si mesmo e aos Coríntios que tudo foi feito para evitar ligações que pudessem obscurecer a comunhão com Cristo. Quem se converte por intermédio de Paulo não se torna partidário de Paulo. Mas seguidor de Cristo. Membros da Igreja comum que permanece sempre a mesma independentemente de quem seja Paulo ou Apolo ou Cefas ( I Cor 3,22). Não importa quem seja este ou aquele: “Vós sóis de Cristo, e Cristo é de Deus” (3,23). Vale apena reler e analisar cuidadosamente o que Paulo escreveu a este respeito. Porque ai aparece o que é essencial no ministério sacerdotal, com uma clareza que nos ensina, de modo prático e para além de qualquer teoria, o que devemos fazer ou não fazer. “Quem é, portanto, Apolo? Quem é Paulo? Servidores pelo quais recebeste a fé... Eu plantei, Apolo regou; mais quem deu o crescimento foi Deus. Assim aquele que planta nada é, aquele que rega nada é; mas importa tão somente Deus, que dá o crescimento. Aquele que planta e aquele que rega são iguais... Somos cooperadores de Deus. Vós sois o campo de Deus sóis o edifício de Deus” (I Cor3,5-9). Em certas Igrejas protestantes alemãs existia e ainda existem o costume de comunicar nos anúncios do serviço divino quem presidirá o culto e fará a pregação. Não raro esconde-se sob esses nomes, certo partidarismo. Cada um escolhe seu próprio ministro, infelizmente algo de parecido começa agora também a se verificar em comunidades católicas, mas isto mostra que a Igreja tende a desaparecer por detrás de partidos e que, em ultima analise, queremos ouvir opiniões humanas e não mais a Palavra comum de Deus que tudo supera e cuja garantia é a Igreja uma. Só a unidade da fé da Igreja e a sua obrigatoriedade nos dão a garantia de não seguirmos opiniões humanas nem aderimos a partidos formados por nós próprios, pertencemos e obedecemos ao Senhor. Hoje em dia existe o grande perigo de se dividir a Igreja em partidos religiosos que se agrupam em torno de mestres e pregadores. Então vale de novo: eu sou de Apolo, eu sou de Paulo, eu sou de Pedro, transformando o próprio Cristo em um partido. A norma do ministério sacerdotal é o autodesprendimento que se submete à medida de Jesus: “Minha doutrina não é minha” (Jo 7,16). Somente quando pudermos dizer isto sem nenhuma restrição é que seremos cooperadores de Deus que plantam e regam, tornando-nos, assim, participantes da sua obra. Se os homens se reportam a nós, contrapondo nosso cristianismo ao dos outros.Isto deve constituir para nós sempre motivo para um exame de consciência. Nós não anunciamos anos próprios. Anunciamos a Cristo. Isto exige nossa humildade, a cruz do seguimento. Mas é justamente isto que os liberta, enriquece e engrandece nosso ministério. Com efeito, se anunciamos anos próprios, permaneceremos encerrados em nossos pobre eu e reduziremos outros a nossa estreiteza. Se anunciamos o Cristo, tornanar-nos-emos “cooperadores de Deus” (I Cor 3,9) , e que poderia haver de mais belo e de mais libertador?

Peçamos ao Senhor que Ele nos faça experimentar sempre de novo a alegria desta missão. Assim também entre nós se torna verdadeira a palavra do Profeta, palavra esta que só se realiza onde o próprio Cristo percorre nossos caminhos: o povo que vive nas trevas viu uma grande luz... Rejubilam-se diante de vós como na alegria da colheita, como exultam na partilha dos despojos (Is 9,1-3; cf Mt 4,15). Amém.

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