ARAUTOS DA SALVAÇÃO - Ai de mim se não evangelizar

Oração Pessoal

Pe. Luiz Fernando // Reitor do Seminário Cristo Ressuscitado – Curitiba – Pr.

 

1. SEGUNDO A BÍBLIA O QUE DEUS NOS FALA SOBRE A ORAÇÃO?

Na perspectiva do Antigo Testamento, segundo o Catecismo da Igreja, a oração é vista, nas primeiras passagens bíblicas, como um modo concreto e bonito de relacionamento com Deus que se mostra mediante a apresentação de oferendas a Deus, ou pela invocação do nome de Deus, ou ainda como uma caminhada com Deus.  À luz dos relatos bíblicos, que nos narram diversas experiências espirituais dos grandes homens de Deus, encontraremos várias noções que nos levam a entender o que seja a oração. No chamamento de Abraão e na sua resposta a Deus, a oração se expressa como uma escuta atenta e silenciosa do coração à voz de Deus e como uma resposta concreta na obediência a Ele, (obediência significa em latim, ouvir com atenção), buscando realizar a vontade de Deus, por meio de ações concretas, e que por sua vez requer como fundamento único o dom da fé na fidelidade de Deus. “A oração restaura o homem a semelhança de Deus e o faz participar do poder do amor de Deus que salva a multidão”. Na experiência de Jacó a oração pode ser definida como o combate da fé e como a vitória da perseverança. Na profunda experiência de Moisés a oração revela sua dimensão de intercessão, de diálogo com Deus, que por primeiro vem ao seu encontro, revelando sua mais bela face, a da contemplação, pois Moisés falava com Deus face a face. Neste âmbito a oração se apresenta como um encontro íntimo com Deus. Por sua vez em Davi a oração adquire um rosto novo, de louvor e ação de graças, expressando sua adesão fiel, sua confiança e alegria no Senhor. Já na experiência espiritual dos Profetas a oração é revelada como uma escuta e fidelidade a Palavra de Deus, que impulsiona as específicas missões de falar em nome de Deus. E os salmos são a própria Palavra de Deus que se faz oração, pessoal e comunitária, ensinando-nos a orar sempre, em todas as circunstâncias da vida, se caracterizando pela simplicidade e espontaneidade num contínuo desejo de Deus, aqui a oração reflete a vivência da fé nos diversos acontecimentos da nossa vida.

Na perspectiva do Novo Testamento, com a manifestação do Filho de Deus, a oração encontra sua plena revelação em Jesus, que reza com seu coração humano, sendo um coração de Filho. Desse modo a oração possui uma novidade: a oração se manifesta como oração filial, como um encontro com o Pai. Jesus sendo um homem de oração nos mostra toda a força da oração, e sua importância na vida humana e nos seus momentos decisivos configurando-se segundo o testemunho de Jesus: como uma entrega humilde e confiante a vontade amorosa do Pai, como uma adesão amorosa do coração ao mistério da vontade do Pai, como uma ação de graças, que deve vir por primeiro.

Nos Evangelhos Jesus deixa seu ensinamento sobre a oração, que deve ser assim compreendida: como um encontro filial com o Pai, movido pelo Espírito Santo, que nasce de um coração humilde e reconciliado com todos, fruto de uma fé viva, e em constante vigilância. A oração, em sua própria essência, requer algumas propriedades: primeiro a persistência; depois a paciência e por fim a humildade. A grande novidade que Jesus nos traz, mediante a sua encarnação, é esta: a oração dos discípulos deve ser feita, “em seu Nome”, pois Ele é o caminho, a verdade e a vida, nosso Intercessor diante do Pai. E por fim no Magnificat aprendemos de Maria qual a finalidade última da oração cristã: a união com Deus, nossa comunhão com Ele, “ser todo dele porque Ele é todo nosso”.      

2. COMO PREPARAR PARA A ORAÇÃO?

Para uma boa oração necessitamos estar atentos para algumas condições prévias que nos ajudam a viver a oração como uma experiência de encontro com Deus, ou seja, para uma oração profunda e verdadeira necessitamos de uma preparação, que servirá de apoio e ajuda para que a oração flua em intimidade e profundidade.

a. Disposição interior: vai-se para a oração não apenas para cumprir um dever ou para encarar algo difícil ou  inútil, mas para dialogar com o Pai, para um encontro de amor, procurando ouvir o Espírito Santo e aprender com Ele; por isso a primeira exigência é entrar num clima de oração, com um coração que tenha desejo de Deus e de sua Palavra.

b. Escolher um bom  lugar, onde possa rezar melhor, que ajude a viver o clima de oração: assim como Jesus se retirava para lugares específicos como o deserto, a montanha, também nós precisamos ficar a sós com Deus, e o lugar deve ser propício para isso.

c. Tempo: É indispensável se preparar para a oração definindo um horário do dia que seja mais favorável a sua oração, fixando um tempo determinado para isso, e procurando ser fiel a Ele, pois Jesus se levantava de madrugada para rezar, e passava mesmo a noite inteira em oração ( Lc 6, 12; Mc 1, 35 ).

d. Posição do corpo: Encontrar a uma boa posição física, o que não significa a mais cômoda, que facilite a concentração e possibilite que a oração flua com naturalidade, evitando assim que se perca o foco e o ritmo da oração.

e. Serenidade Interior: Quando se está agitado emocionalmente e com um coração inquieto e perturbado a oração encontrará maior dificuldade de acontecer com fluidez e profundidade, por isso se requer dispor o coração na paz, acalmar as paixões, esvaziar-se das preocupações da vida, entregando-se pela fé ao Senhor Jesus e clamando a graça do Espírito Santo para o apaziguamento do coração.

f. Silêncio Exterior: Em meio a tanto barulho, que muitas vezes independe de nossa vontade, sendo externo a nós, requer uma capacidade interior de desligar-se, evitando prestar atenção ao barulho, não se incomodando com ele, mudando o foco de sua atenção para o que se está disposto a vivenciar naquele momento da oração, como nos diz frei Clodovis : o ruído já não mais incomoda por dentro, embora persista por fora.

g.  Silêncio  Interior:  Aqui  se  deve  buscar  o  recolhimento,  como  encontro  consigo mesmo, visando voltar-se para si mesmo, livrando-se do que possa tirar o foco do diálogo com Deus, não mais daquilo que é exterior, mas agora das agitações interiores. “Pois como Deus poderá preencher seu coração com sua presença, se você está entulhado de tantas coisas”. Só uma mente recolhida e tranqüila dialoga com Deus,  assim  é  preciso  esvaziar  a  cabeça, tranqüilizar o coração, focar-se em Deus.

h. Dar-se conta do valor e da importância da Oração: Eis um princípio básico para começar e perseverar na oração, reconhecendo que isto é fundamental para minha vida, assim como o ar que eu respiro. Não se faz aquilo que não se julga importante. Por isso devo antes de tudo tomar consciência daquilo que vou fazer quando estou a orar: vou realizar para um encontro de fé com o Pai, que me atrai ao seu amor, mesmo quando eu não venho a sentir esse amor, mas poderei perceber que isso é verdade; e que o mais importante é: unir-me a Deus, pois esta é a finalidade da oração, independente se sinto sua presença ou não.

i. Pedir a presença do Espírito Santo: Esta exigência é peculiar a longa tradição da Igreja, uma vez que o Espírito é o doce hóspede da alma e o nosso Mestre Interior, somente sob sua moção podemos viver bem nossa oração pessoal, sendo por ele  iluminado neste desejo de profunda união com nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo.

3. QUAIS OS BENEFÍCIOS E EFEITOS DA ORAÇÃO?

A oração pessoal possibilita aquele que reza com fé e com perseverança, pois neste assunto não há imediatismo nem mágicas, e para tanto requer persistência e fidelidade, angariar no âmbito humano, como nos ensina frei Clodovis, quem reza e medita adquire uma identidade mais sólida. Ganha em auto-realização, vê mais sentido nas coisas, percebe mais encanto em seu mundo, sente-se mais cheio de serenidade, equilíbrio e felicidade interior, cresce sua sensibilidade aos valores profundos da vida, e mais ainda, a oração ajuda a recuperar a saúde, protege contra a perda da harmonia interior, propiciando autocontrole e serenidade do coração, e permite enfrentar os problemas da vida com melhores chances de sucesso.

Por sua vez no âmbito espiritual a oração gera uma confiança filial em Deus, de quem tudo recebemos, nos impulsiona a uma fé mais viva, ao mesmo tempo que dela procede,  fortalece nossa vontade na busca pela  santidade de vida, nos  leva a uma experiência mais profunda do amor de Deus, faz iniciar em nós um processo contínuo de cura interior, assim como vai sedimentando em nosso coração as virtudes cristãs, e opera a  libertação  interior dos vícios e de seu enraizamento em nossas estruturas humanas. Uma vez que não podemos dizer Jesus é o Senhor senão pela moção do Espírito Santo, como nos ensina o Catecismo: “cada vez que começamos a orar a Jesus é o Espírito Santo que, por sua graça preveniente, nos atrai ao caminho da oração”, assim sendo, o Espírito Santo é o nosso Mestre interior que move nossa oração, que derramado aumenta em nós os seus dons. E desejamos acrescentar o fruto por excelência da oração cristã que nos faz experienciar a graça da salvação que Jesus veio trazer a todos os que nEle crer, pois quem nele crê possui a vida eterna.

4. QUAIS OS PREJUÍZOS QUANDO NÃO SE TEM A ORAÇÃO PESSOAL?

Por conseguinte aquele que não reza se priva de todos esses benefícios espirituais e humanos. Uma vez que a oração nos leva a um encontro com Deus e consigo mesmo, quem não encontra a Deus também acaba por perder a si mesmo. A falta de oração deixa o coração fragilizado diante das angústias e problemas da vida. No livro de Jó temos um testemunho de como a oração é fonte de fortaleza da alma e de firmeza da fé diante das diversas tragédias que podem acontecer nesta vida. Sem a oração o homem perde o sentido maior desta vida, e de sua transcendência na direção de Deus. Uma vez que orar é sempre possível, aquele que não reza perde a oportunidade de direcionar sua vida e os acontecimentos a sua volta, mesmo os mais trágicos, para Deus e nEle viver a dimensão da aceitação, mesmo quando não é possível compreende-los. A falta de oração enfraquece a alma humana, e a pessoa que deixa de rezar se torna mais sujeita a perder o auto-domínio de si mesmo e de seus impulsos, assim quem não ora se torna mais propenso ao pecado. É muito clara a exortação do Catecismo nº. 2774: “Se não nos deixarmos levar pelo Espírito, cairemos de novo na escravidão do pecado”. Aquele que não possui uma vida de oração pessoal certamente se torna mais aberto às seduções desse mundo e às tentações do mal. Como nos diz Santo Afonso Maria de Ligório: “Quem reza certamente se salva; quem não reza certamente se condena”. E São João Crisóstomo nos ensina algo similar: “É impossível que caia em pecado o homem que reza”, o que equivale a dizer que quem não reza facilmente acabará pecando.

5. COMO DEVE SER A ORAÇÃO PESSOAL?

A oração pessoal deve antes de tudo ser pessoal, onde cada pessoa encontrará seu próprio caminho na oração sendo guiado pelo Espírito Santo e norteado pelos ensinamentos profundos que a Igreja nos deixou em sua riquíssima Tradição, a partir das diversas experiências dos grandes santos e santas da Igreja. Cada um deve encontrar seu método de Oração Pessoal, e a forma de oração pelo qual vai se identificando, passando pela Oração Vocal, de louvor e de intercessão, adentrando nos esquemas místicos da meditação e da contemplação, como oração mental, e perpassando pela Lectio Divina, leitura orante da Bíblia, ou pela Oração dos Salmos, Liturgia das Horas, ou ainda pela Oração do Santo Terço, como devoção mariana, ou passando pela invocação do nome de Jesus, mediante diversas jaculatórias, sendo que todas elas devem convergir para o sentido último de nossa vida: a adoração. 

O importante é encontrar-se naquela forma de oração que mais o identifica com sua realidade existencial e com seus desejos espirituais de encontro com Deus; assim como deve se priorizar antes de tudo a fidelidade à oração pessoal, na busca da união com Deus, e não simplesmente de sentir a Deus, pois sentir Deus não depende de nós, isto é graça, dom gratuito, que Deus concede a quem quiser e quando desejar, mas o buscar a Deus, isso depende da minha vontade. “Contudo o sentir Deus não é ainda o principal na vida espiritual. O principal está em querer a Deus por si mesmo. Pois o sentir Deus não está sempre ao nosso alcance, enquanto o querer Deus sim”, nos alerta frei Clodovis.

A oração pessoal deve concretizar o pedido de Jesus: “Orai sem cessar”, em todas as circunstâncias da vida, o que equivale a dizer que todas as circunstâncias, todos os acontecimentos são meios pelos quais podemos fazê-los oração, aqui vida e oração se encontram, ambas se cruzam, a vida se faz oração, e oração se faz nossa vida. Adorar a Deus em espírito e em verdade, este é o ideal proposto por Jesus. Comentando esta passagem Monsenhor Jonas Abib ensinava que esta adoração a Deus dever ser feita no Espírito, que clama em nós Abba Pai, e em verdade, na verdade de nossa vida, com tudo aquilo que estamos passando em nossa realidade existencial e espiritual, do contrário nossa oração corre o risco de ser mentirosa. A oração pessoal deve ser fruto do nosso amor a Deus, pois onde o não há amor tudo se torna insignificante, já nos dizia Santa Terezinha: Nada é pequeno onde o amor é grande, como também deve ser expressão de um compromisso de vida, algo de fato vital para nós, sem a qual a vida perde sentido, uma vez que sem esse comprometimento com Deus e fidelidade perseverante à oração pessoal corremos o risco de um não progredir na fé, de paralisar nosso crescimento espiritual, e assim não chegarmos à plena estatura do Cristo, como meta de toda vida cristã, segundo nos propõe São Paulo.