1 – HISTÓRIA
Não se sabe muito bem em que consiste a “Lectio Divina”. Isto se explica porque tanto o nome quanto a sua prática caído em desuso há séculos. Hoje, graças a modernas investigações, é possível conhecer os grandes rasgos e sua história.
A “Lectio Divina” é a leitura crente e orante da Palavra
de Deus, feita a partir da fé em Jesus, que disse: “O Espírito vos recordará tudo o que eu disse e vos introduzirá na
verdade plena” (Jo 14,26; 16,13).
O Novo Testamento, por exemplo, é o resultado da leitura que os primeiros
cristãos faziam do Antigo Testamento à luz dos seus problemas e à luz da nova
revelação que Deus fez de si através da Ressurreição de Jesus, vivo no meio da
comunidade. No decorrer dos séculos, esta leitura crente e orante da Bíblia
alimentou a Igreja, as comunidades, os cristãos. Inicialmente, não era uma
leitura organizada e metódica, mas era a própria Tradição que se transmitia, de
geração em geração, através da prática do povo cristão.
Padres
A leitura divina tem suas raízes na religião judaica: no
uso da sinagoga, na meditação, na leitura da Bíblia própria dos rabinos e de
seus discípulos. Mas teve de esperar Orígenes, o famoso mestre da leitura
divina, para que o método aparecesse com claridade e perfeitamente demostrado.
Orígenes, que provavelmente aprendeu este método de seus
mestres judeus, considera a “Lectio Divina” como a base necessária de toda a
vida ascética, de todo o conhecimento espiritual, de toda a contemplação. A
Escritura, com efeito, não constitui um instrumento, entre outros, que ajuda a
progredir na vida espiritual, nem a leitura da Bíblia, um simples exercício de
piedade, mas a vida espiritual do cristão é a Escritura lida, meditada,
compreendida e vivida. A Bíblia, junto com a Encarnação e a Igreja, é a
manifestação sensível da presença do Logos (Palavra) na História, é a mesma voz
de Cristo que se dirige a seus fiéis através da Igreja. Daí que todo fiel
cristão deve dedicar-se assiduamente à “Lectio Divina”. A penetração no
mistério de Cristo por meio da Escritura realiza-se progressivamente, e sua
compreensão profunda não tem lugar senão depois de uma leitura insistente e
ininterrupta pela oração.
Com razão, disse Denis Gorce que os padres da idade de ouro
não fizeram mais que repetir, cada um da sua maneira e em seu próprio contexto
histórico e cultural, as idéias de Orígenes sobre o papel de primeira ordem que
desempenha a leitura sagrada na vida contemplativa.
Ler a Escritura é, segundo os Santos Padres da Igreja,
obrigação principal de todo cristão. Os padres não se cansavam de recomendar: “Empenhe-se na leitura, estude a leitura,
insista leitura”. Pode-se dizer que a liturgia, obra do povo de Deus, é em
grande parte uma “Lectio Divina” comunitária: alterna a leitura da Bíblia com
sua meditação, os cânticos. Mas para que apoveite de verdade a alma, é
necessário que esta leitura comunitária seja fecundada por uma leitura pessoal;
que seja privada, que resulte como uma prolongação da Palavra de Deus em comunidade.
São João Crisóstomo, Santo Ambrósio de Milão e São Cesário de Arles afirmaram
isto. O que se realiza na Igreja tem de ser continuação de cada cristão em sua
casa, pois somente assim é possível “apropiar-se da Palavra de Deus”. Para São
Gregório Magno, como para Orígenes, a “Lectio Divina” não é um exercício
separado na vida do cristão; em certo sentido, pode-se afirmar que é o
essencial, pois não seria exagerado dizer que para o grande Papa-monge o
cristão perfeito é aquele que sabe ler a Escritura, na condição de entender que
sua leitura compromete a vida eterna.