Os monges
São João Crisóstomo indignava-se quando diziam que ler a
Escritura é coisa de monge. “Não, dizia,
é próprio de todos os que se vangloriam de ser cristãos”. Não obstante a
objeção de seus interlocutores, a Bíblia estava se convertendo no livro do
monge, e o monge no homem da Bíblia.
Pacômio, Orsiésio, Basílio, Evágrio Pôntico, todos os
mestres do monaquismo recomendavam encarecidamente a “Lectio Divina”. Cassiano,
o grande divulgador da espiritualidade monástica no Ocidente, insiste, seguindo
Orígenes, no grande poder de renovação espiritual contigo na leitura direta da
Bíblia, não na de seus comentaristas.
Assim, nos séculos V-VI, a “Lectio Divina”, já
institucionalizada nos mosteiros, ocupa um lugar determinado no horário das
comunidades. Segundo todas as regras da época, dedicavam os monges à leitura,
nos dias de trabalho, um mínimo de duas horas e um máximo de três horas.
Os monges da Idade Média permaneceram fiéis à prática da
“Lectio”, pelo menos até certo ponto, pois, à vista de alguns textos, tem-se a
impressão de que a “Lectio Divina” ia desvirtuando-se pelos menos em certos
ambientes.
Decadência
No fim do século XII, idade de ouro da espiritualidade
medieval, a expressão tornou-se cada vez mais rara; somente a usam alguns
escritores místicos. Na época de devoção moderna, os espirituais encontram uma
forma de oração que a suplanta: a oração mental, exercício independente do que
mais ainda se chamará leitura espiritual. Nesta época de transição, a leitura
se converte em um exercício espiritual autônomo não orientado pela oração. E
logo vai-se afastando também a Escritura. Produz-se a distinção clara entre
estudo, leitura intelectual ou teológica, e leitura espiritual, exercício de
piedade sem o rigor exigido na “Lectio Divina” e, sobretudo, porque esta
diferença se nutre melhor de hagiografia popular, manuais de vida cristã e
obras de meditação. A Escritura recupera, esporadicamente, um lugar
preferencial somente em certos autores, como São João Eudes e em certos
ambientes religiosos.
A “Lectio Divina” da Bíblia não era fomentada na vida religiosa. Era também o infeliz efeito da contra-reforma na vida da Igreja. Santa Teresinha, por exemplo, não tinha acesso ao texto integral do Antigo Testamento. Insistia-se mais na leitura espiritual. O medo do protestantismo fez perder o contato com a fonte.