ARAUTOS DA SALVAÇÃO - Ai de mim se não evangelizar

Lectio Divina - Aula 07

2. Meditação: “Ruminar, dialogar, atualizar”

A leitura responde à pergunta: “Que diz o texto?”. A meditação vai responder à pergunta: “Que diz o texto para mim, para nós? A meditação indica o esforço que se faz para atualizar o texto e trazê-lo para dentro do horizonte da nossa vida e realidade tanto pessoal como social. O texto deve falar-nos. Dentro da dinâmica da “Lectio Divina”, a meditação ocupa um lugar central.

Guigo dizia: “A meditação é uma diligente atividade da mente que, com a ajuda da própria razão, procura conhecimento da verdade oculta”. Através da leitura, descobrimos o contexto da época. No entanto, a fé nos diz que esse texto, apesar de ser de outra época e de outro contexto, tem algo a nos dizer hoje.

Uma primeira forma de se realizar a meditação é sugerida pelo próprio Guigo. Ele manda usar a mente e a razão para poder descobrir a “verdade oculta”. Entra-se em diálogo com o texto, com Deus, fazendo perguntas que obrigam a usar a razão e que procuram trazer o texto para dentro do horizonte da nossa vida. Por exemplo: Quais os conflitos de ontem que existem hoje?

A outra forma é repetir o texto, ruminá-lo até descobrir o que ele tem anos dizer. É o que Maria fazia quando ruminava as coisas no coração (Lc 2,19-51). É o que recomenda o salmo ao justo: “Meditar dia e noite na lei do Senhor” (Sl 1,2). É o que Isaías define com tanta precisão: “Sem Iahweh, o teu nome e a lembrança de ti resumem todo o desejo da nossa alma” (Is 26,8). Após ter feito a leitura e ter descobrido o seu sentido para nós, é bom procurarmos resumir tudo numa frase, de preferência do próprio texto bíblico, para ser levada conosco na memória e ser repetida e mastigada durante o dia, até se misturar com o nosso próprio ser.

Assim nos colocamos sob o julgamento da Palavra de Deus e deixamos que ela nos penetre, como espada de dois gumes (Hb 4,12). “Ela vai julgando a criatura oculta à sua presença. Tudo está nu e descoberto aos olhos daqueles a quem deve prestar contas” (Hb 4,12-13). Pela meditação, a Palavra de Deus vai entrando aos poucos, vai tirando as máscaras, vai revelando e quebrando a alienação em que vivemos, desenvolvendo-nos, para que nos tornemos uma expressão viva da palavra ouvida e meditada.

“O camelo não precisa de muita comida. Ele conserva o que comeu até entrar no estábulo, depois faz a comida voltar e rumina-a, até que entre nos seus ossos e na sua carne. O cavalo precisa de muita comida, ele come e logo gasta tudo o que comeu. Então, não sejamos como o cavalo, quer dizer, recitar as Palavras de Deus a cada instante, e não viver nenhuma. Mas sim como o camelo, recitando as palavras da Escritura, guardando-as até cumpri-las”.

Lembremos de Santo Antão diz-se que para ele a memória fazia as vezes do livro. A ruminação está ligada ao sabor. Santo Agostinho dizia: “Quando escutas, ou lês, comes. Quando meditas o que acabas de ouvir, ou de ler, ruminas. Aquele que é sábio saboreia a Palavra, pois, meditando-a, rumina-a, e a ruminação alegra-o”.

Cassiano aponta outro aspecto importante da meditação, como consequência da ruminação. Ele diz: “Instruídos por aquilo que nós mesmos sentimos, já não percebemos o texto como algo que só ouvimos, mas sim como algo que experimentamos e tocamos com nossas mãos; não como uma história estranha e inaudita, mas como algo que damos à luz desde o mais profundo do nosso coração, como se fossem sentimentos que formam parte de nosso próprio ser. Repitamo-lo: não é a leitura que nos faz penetrar no sentido das palavras, mas sim como algo que experimentamos na vida de cada dia. Aqui já nem parece haver mais diferença entre Bíblia e vida, entre Palavra de Deus e a nossa palavra. Ora, conforme Cassiano, é nesta quase identificação nossa com a Palavra da Bíblia que está o segredo da percepção do sentido do texto; não vem do estudo, mas da experiência que nós mesmos temos da vida. O estudo coloca os fios, a experiência adquirida gera a força, a meditação aperta o botão, faz a força correr pelos fios e acende a lâmpada do texto. Tanto o fio como a força, ambos são necessários para que haja luz. A vida ilumina o texto, o texto ilumina a vida.

A meditação também aprofunda a dimensão pessoal da Palavra de Deus. Na Bíblia, quem dirige a Palavra é Deus, e ele o faz com muito amor. Uma palavra de amor recupera forças, libera energias, recria a pessoa, o coração se dilata até adquirir a dimensão do próprio de Deus, que pronuncia a Palavra.

“Pela leitura se atinge a casca da letra, e se tenta atravessá-la para, na meditação, atingir o fruto do Espírito” (São Jerônimo). O Espírito age dentro da Escritura (2Tm 3,16). Através da meditação, ele se comunica a nós, nos inspira, cria em nós os sentimentos de Jesus Cristo (Fl 2,5), ajuda-nos a descobrir o sentido pleno das palavras de Cristo (Jo 16,13). É o mesmo Espírito que enche a vastidão da terra (Sb 1,7). No passado ele animava os Juízes e Profetas, hoje ele também nos anima.

O monge cartuxo exorta que: “Não cabe a quem lê nem a quem medita sentir tal doçura, se não recebe do alto” (Jo 19,11). Esse dom de ler e meditar é comum tanto aos bons como aos maus, e os próprios filósofos encontraram, pelo exercício da razão, em que consiste em suma o verdadeiro bem.

A meditação é uma atividade pessoal e também comunitária. A partilha do que cada um sente, descobre e assume no contato com a Palavra de Deus é muito mais do que só a soma das palavras de cada um, é o sentido Eclesial da Bíblia.

Qual o momento que se passa da meditação para a oração? Não é fácil dizer quando, exatamente, uma pessoa passa da juventude para a idade adulta. A meditação atualiza o sentido do texto até ficar claro o que Deus está pedindo de nós; quando fica claro o que Deus está pedindo de nós; quando fica claro o que Deus pede, está chegando o momento de se perguntar: “E agora o que vou dizer a Deus? Assumo ou não assumo?”. Quando fica claro o que Deus pede, fica clara também a nossa incapacidade e a nossa falta de recursos. É o momento da súplica; “Senhor, levanta-te! Socorre-nos” (Sl 44,27). A meditação é semente de oração. Basta praticá-la e ela, por si mesma, se transforma em oração.