2. Meditação: “Ruminar, dialogar, atualizar”
A leitura responde à pergunta: “Que diz o texto?”. A
meditação vai responder à pergunta: “Que diz o texto para mim, para nós? A
meditação indica o esforço que se faz para atualizar o texto e trazê-lo para
dentro do horizonte da nossa vida e realidade tanto pessoal como social. O
texto deve falar-nos. Dentro da dinâmica da “Lectio Divina”, a meditação ocupa
um lugar central.
Guigo dizia: “A
meditação é uma diligente atividade da mente que, com a ajuda da própria razão,
procura conhecimento da verdade oculta”. Através da leitura, descobrimos o
contexto da época. No entanto, a fé nos diz que esse texto, apesar de ser de
outra época e de outro contexto, tem algo a nos dizer hoje.
Uma primeira forma de se realizar a meditação é sugerida
pelo próprio Guigo. Ele manda usar a mente e a razão para poder descobrir a
“verdade oculta”. Entra-se em diálogo com o texto, com Deus, fazendo perguntas
que obrigam a usar a razão e que procuram trazer o texto para dentro do
horizonte da nossa vida. Por exemplo: Quais os conflitos de ontem que existem
hoje?
A outra forma é repetir o texto, ruminá-lo até descobrir
o que ele tem anos dizer. É o que Maria fazia quando ruminava as coisas no
coração (Lc 2,19-51). É o que recomenda o salmo ao justo: “Meditar dia e noite na lei do Senhor” (Sl 1,2). É o que Isaías
define com tanta precisão: “Sem Iahweh, o
teu nome e a lembrança de ti resumem todo o desejo da nossa alma” (Is 26,8).
Após ter feito a leitura e ter descobrido o seu sentido para nós, é bom
procurarmos resumir tudo numa frase, de preferência do próprio texto bíblico,
para ser levada conosco na memória e ser repetida e mastigada durante o dia,
até se misturar com o nosso próprio ser.
Assim nos colocamos sob o julgamento da Palavra de Deus e
deixamos que ela nos penetre, como espada de dois gumes (Hb 4,12). “Ela vai julgando a criatura oculta à sua
presença. Tudo está nu e descoberto aos olhos daqueles a quem deve prestar
contas” (Hb 4,12-13). Pela meditação, a Palavra de Deus vai entrando aos
poucos, vai tirando as máscaras, vai revelando e quebrando a alienação em que
vivemos, desenvolvendo-nos, para que nos tornemos uma expressão viva da palavra
ouvida e meditada.
“O camelo não
precisa de muita comida. Ele conserva o que comeu até entrar no estábulo,
depois faz a comida voltar e rumina-a, até que entre nos seus ossos e na sua
carne. O cavalo precisa de muita comida, ele come e logo gasta tudo o que
comeu. Então, não sejamos como o cavalo, quer dizer, recitar as Palavras de
Deus a cada instante, e não viver nenhuma. Mas sim como o camelo, recitando as
palavras da Escritura, guardando-as até cumpri-las”.
Lembremos de Santo Antão diz-se que para ele a memória
fazia as vezes do livro. A ruminação está ligada ao sabor. Santo Agostinho
dizia: “Quando escutas, ou lês, comes.
Quando meditas o que acabas de ouvir, ou de ler, ruminas. Aquele que é sábio
saboreia a Palavra, pois, meditando-a, rumina-a, e a ruminação alegra-o”.
Cassiano aponta outro aspecto importante da meditação,
como consequência da ruminação. Ele diz: “Instruídos por aquilo que nós mesmos
sentimos, já não percebemos o texto como algo que só ouvimos, mas sim como algo
que experimentamos e tocamos com nossas mãos; não como uma história estranha e
inaudita, mas como algo que damos à luz desde o mais profundo do nosso coração,
como se fossem sentimentos que formam parte de nosso próprio ser. Repitamo-lo:
não é a leitura que nos faz penetrar no sentido das palavras, mas sim como algo
que experimentamos na vida de cada dia. Aqui já nem parece haver mais diferença
entre Bíblia e vida, entre Palavra de Deus e a nossa palavra. Ora, conforme
Cassiano, é nesta quase identificação nossa com a Palavra da Bíblia que está o
segredo da percepção do sentido do texto; não vem do estudo, mas da experiência
que nós mesmos temos da vida. O estudo coloca os fios, a experiência adquirida
gera a força, a meditação aperta o botão, faz a força correr pelos fios e
acende a lâmpada do texto. Tanto o fio como a força, ambos são necessários para
que haja luz. A vida ilumina o texto, o texto ilumina a vida.
A meditação também aprofunda a dimensão pessoal da
Palavra de Deus. Na Bíblia, quem dirige a Palavra é Deus, e ele o faz com muito
amor. Uma palavra de amor recupera forças, libera energias, recria a pessoa, o
coração se dilata até adquirir a dimensão do próprio de Deus, que pronuncia a
Palavra.
“Pela leitura se
atinge a casca da letra, e se tenta atravessá-la para, na meditação, atingir o
fruto do Espírito” (São Jerônimo). O Espírito age dentro da Escritura (2Tm 3,16).
Através da meditação, ele se comunica a nós, nos inspira, cria em nós os
sentimentos de Jesus Cristo (Fl 2,5), ajuda-nos a descobrir o sentido pleno das
palavras de Cristo (Jo 16,13). É o mesmo Espírito que enche a vastidão da terra
(Sb 1,7). No passado ele animava os Juízes e Profetas, hoje ele também nos
anima.
O monge cartuxo exorta que: “Não cabe a quem lê nem a quem medita sentir tal doçura, se não recebe
do alto” (Jo 19,11). Esse dom de ler e meditar é comum tanto aos bons como
aos maus, e os próprios filósofos encontraram, pelo exercício da razão, em que
consiste em suma o verdadeiro bem.
A meditação é uma atividade pessoal e também comunitária.
A partilha do que cada um sente, descobre e assume no contato com a Palavra de
Deus é muito mais do que só a soma das palavras de cada um, é o sentido
Eclesial da Bíblia.
Qual o momento que se passa da meditação para a oração?
Não é fácil dizer quando, exatamente, uma pessoa passa da juventude para a
idade adulta. A meditação atualiza o sentido do texto até ficar claro o que
Deus está pedindo de nós; quando fica claro o que Deus está pedindo de nós;
quando fica claro o que Deus pede, está chegando o momento de se perguntar: “E
agora o que vou dizer a Deus? Assumo ou não assumo?”. Quando fica claro o que
Deus pede, fica clara também a nossa incapacidade e a nossa falta de recursos.
É o momento da súplica; “Senhor,
levanta-te! Socorre-nos” (Sl 44,27). A meditação é semente de oração. Basta
praticá-la e ela, por si mesma, se transforma em oração.